Tatuagens na Alma
Muitos conhecem, mas para quem não conhece (e aí eu acho que são poucas pessoas), Tarcísio Delgado é um velho conhecido da política brasileira. Ele foi vereador e três vezes prefeito de Juiz de Fora, deputado estadual, deputado federal, secretário estadual do Trabalho e Ação Social de Minas Gerais e diretor do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), além de um renomado bacharel em Direito, um grande escritor e, o mais valioso, uma pessoa do bem.
Minha relação com Tarcísio Delgado começou em 1974, quando ele foi candidato a deputado federal. Tinha na época 11 anos e minha já falecida mãe, Daracy Baldiotti, trabalhou na campanha dele e, diga se de passagem, sem receber nada. De lá para cá foram varias campanhas: 1976, para prefeito; 1978, deputado federal e 1982, quando se elegeu pela primeira vez prefeito de Juiz de Fora. E tenho a lembrança e, claro, a minha gratidão de que estudei o meu curso ginasial graças a uma bolsa de estudos viabilizada por Tarcísio Delgado – não só para mim, mas para muitos estudantes carentes.
Faço essa retrospectiva para ilustrar o que tenho a escrever pela frente. Essa época em que descrevo os fatos é um passado da política que não existe mais. O tempo passou, me tornei sindicalista no setor público e por muitas vezes tive embates contra o próprio Tarcísio Delgado, que naquele momento estava no papel de gestor do município e eu como presidente do sindicato, articulando paralisações, passeatas , cumprindo a minha missão – tudo, porém, dentro de uma civilidade e harmonia de convivência, como rege a democracia. O nosso debate era na esfera política e não no lado pessoal. A prova disto é que há poucos dias recebi um presente de Tarcísio Delgado. Um valioso presente: um livro de sua autoria, intitulado “Tatuagens na Alma”. Fiquei muito satisfeito, pois um amigo, o jornalista José Carlos Quintino, um mineiro da cidade de Nova Lima radicado em São Paulo, tinha me recomendado a leitura deste livro. Quintino, como é chamado carinhosamente, foi vereador e secretário de Governo naquela cidade e é profundo conhecedor da rica e triste história de resistência dos trabalhadores da Mina Morro Velho no período da repressão pós-golpe militar.
Durante o encerramento dos trabalhos e a leitura do relatório da Comissão da Verdade em São Paulo – que tinha, na linha de frente, a professora Rosa Cardoso e também convidados ilustres, como Clodesmidt Riani e Raphael Martinelli, além de sindicalistas, políticos, jornalistas e intelectuais – o episódio de Nova Lima foi descrito e o livro de Tarcísio Delgado também. Mas o que tem de tão valioso neste livro? Além de narrar os lamentáveis e violentos fatos da época, a obra é uma verdadeira lição de vida: trabalhadores humilhados e reprimidos tendo os seus direitos violados e sendo ameaçados constantemente e um jovem advogado, que debruça sobre os processos e se envolve de corpo e alma no trabalho de defesa dos trabalhadores injustiçados – e sem receber honorários, pois aquelas pessoas humildes não tinham recursos.
Voltando para os dias de hoje, podemos perguntar se ainda existe gesto sublime como este? Acho que sim, mas são tão raras exceções que seria como procurar uma agulha no palheiro.
Neste momento de fragilidade política pelo qual passa o nosso país, o que o Brasil precisa é de políticos que estejam à altura da crise e que suas posturas venham buscar o equilíbrio dentro das forças que disputam o Governo, para que o povo brasileiro não pague a conta em virtude das brigas pela fatia do bolo. Temos um Congresso conservador, com deputado defendendo a volta da Ditadura ou retrocessos sociais, jogando de acordo com os seus interesses e dando “uma banana” para as necessidades da sociedade brasileira; um Congresso que dá prioridade à pauta patronal e debocha da pauta trabalhista, e um Governo que teve a ajuda dos trabalhadores para se reeleger, mas não tem habilidade e nem diálogo com os trabalhadores e atores dos movimentos sociais – ao mesmo tempo em que privilegia a política monetária, que enriquece ainda mais quem sempre obteve benesses nesse país, como os banqueiros e grandes empresários. Nesse cenário, o que esperar de uma reforma política com este Congresso? Ninguém corta o galho da árvore em que está sentado.
Quando digo que a política da época narrada no livro de Tarcísio Delgado não existe mais é por conta das várias situações que vivenciamos nos dias atuais. Em suma: falta político com vergonha na cara e com amor à pátria.
Recomendo a leitura do livro, pois faz bem para a alma.
Cosme Nogueira
Presidente da FESERP-MG