PEC 241: Sacrifício vai ficar para os mais pobres
A história recente do Brasil mostra que o equilíbrio das contas é um princípio fundamental da gestão pública. O descontrole orçamentário foi um dos maiores responsáveis pela recessão econômica que, entre outros efeitos, já deixou mais de 12 milhões de brasileiros sem trabalho e sem perspectivas.
A crise está mostrando, de forma penosa, que controle fiscal deveria ser prioridade absoluta em qualquer nível de governo. No entanto, da maneira como foi apresentada, a proposta do presidente Michel Temer de impor um teto para os gastos públicos nos próximos 20 anos é um passo para o aumento da desigualdade social no país.
A proposta de emenda constitucional 241, a chamada PEC do teto, fará com que aqueles que mais necessitam dos serviços públicos paguem quase sozinhos a conta negativa do governo. Ao congelar os investimentos públicos em saúde e educação, o Palácio do Planalto limita, também, as condições de vida da maioria da população.
O Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou que, naquele ano, 78% dos brasileiros que frequentavam alguma escola, da creche ao ensino superior, estavam matriculados em instituição pública. Dos cerca de 60 milhões de estudantes no país, mais de 46 milhões dependiam do governo para a sua formação.
Na saúde, o cenário não é diferente. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, de 2013, 30% dos brasileiros declaravam pagar algum tipo de plano privado para complementar o atendimento médico. Para os 70% restantes, a rede pública seria a solução mais viável, em caso de necessidade.
Se considerarmos ainda que a crise econômica leva mais cidadãos a depender do governo, não é errado supor que o número de dependentes exclusivos do sistema público está maior atualmente. Essa demanda tende a crescer, caso o período de dificuldades se prolongue.
Saúde e educação são prioritários. Um país que pretenda alcançar níveis elevados de desenvolvimento precisa que seu povo esteja saudável e bem formado. Não existe progresso sem investimento nesses setores.
A bancada do PSB na Câmara dos Deputados apresentou uma emenda que poderia atenuar os impactos da proposta do governo. O texto do partido previa que, se houvesse superavit primário nas contas públicas, parte dos recursos seria repassada para essas duas áreas primordiais. Embora a sugestão tenha sido muito elogiada, faltou apoio e, lamentavelmente, foi retirada de discussão.
A pressão política do Palácio do Planalto sobre os parlamentares desvirtuou o debate. Não é por convicção que muitos apoiam a PEC 241. As ameaças do governo falam mais alto neste momento.
A ideia de punir os deputados que votaram contra a proposta de Temer é preocupante. Indica que o jogo do “toma lá, dá cá”, tão condenado na gestão anterior, deve continuar. É preciso compromisso com o país, e não com o governo.
O ajuste das contas públicas é necessário e inadiável, mas não podemos estrangular setores vitais para os brasileiros. Tampouco devemos permitir que os sacrifícios para sairmos da crise sejam aplicados desproporcionalmente à sociedade.
Os erros administrativos do passado castigam o povo com inflação e desemprego, fardo que pesa mais sobre os que têm menos ou nenhuma renda. A PEC 241 só vai tornar essa pena ainda mais severa.
Em 2014, apenas os gastos administrativos da máquina pública federal somaram R$ 31,6 bilhões. Um bom exemplo de despesa a ser reexaminada. O governo precisa mostrar mais disposição para reduzir desperdícios e melhorar sua eficiência, ao invés de tirar direitos dos cidadãos de maneira desigual e comprometer ainda mais o desenvolvimento do Brasil.
* Júlio Delgado, advogado, é deputado federal (PSB/MG). Disputou a presidência da Câmara em 2013 e 2015.
** Júlio Delgado votou contra a PEC 241 e teve uma atuação bastante colaborativa com a delegação da FESERP-MG que esteve em Brasília (DF) quando da votação da proposta, inclusive colocando sindicalistas dentro do Plenário, apesar da proibição da Mesa Diretora da Casa
*** Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, edição de sexta-feira (21 de outubro)