Ministro do Trabalho defende fortalecimento dos sindicatos, CLT e fim da escala 6×1; leia entrevista
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, defendeu o pacote fiscal apresentado pelo governo e criticou setores da sociedade pela “gritaria” contra a proposta de isentar do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Em entrevista à revista Veja, Marinho também se posicionou a favor do fim da escala de trabalho 6×1 e defendeu a importância das negociações coletivas para elevar os pisos salariais praticados no país.
Leia a entrevista na íntegra:
Qual sua avaliação sobre o pacote fiscal?
R: A construção das medidas foi para criar condições de sustentabilidade, credibilidade e previsibilidade. O que não se compreende é a reação do chamado mercado e de grande parte da imprensa. É uma reação brutal contra o povo assalariado, contra o trabalho, contra a população mais empobrecida.
Mas não são válidas as críticas de que o governo deveria fazer muito mais em nome do equilíbrio fiscal?
R: As medidas anunciadas buscam criar equilíbrio, buscam criar um grau de justiça social. Enquanto um salário mínimo é questionado, será que esses críticos sobreviveriam com um salário mínimo? Temos que dar continuidade ao processo de distribuição de renda no país.
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Concorda que a esquerda continua tentando falar para um trabalhador que não existe mais?
R: Se alguém falar que entende perfeitamente o que está acontecendo no mercado de trabalho, manda internar. Ou, então, manda me trazer a fórmula. Está todo mundo perdido com o impacto da inteligência artificial. O fato concreto é que estamos com o menor índice de desemprego do país nos últimos tempos. O objetivo do governo é gerar ocupação e emprego. Muito se diz que as pessoas não querem mais a CLT, não querem mais emprego formal. Se o mercado de trabalho oferecer uma boa remuneração em relação ao que o cidadão vai ter como MEI (microempreendedor individual), ele vai preferir a relação formal.
É só uma questão de aumentar o salário?
R: Muita gente pode migrar para o emprego formal. Muitos no governo compraram essa ideia de que as pessoas não querem mais um chefe. O que as pessoas não querem é um chefe no cangote em troca de uma baixa remuneração.
Qual sua opinião sobre o atual debate a respeito do fim da jornada de trabalho de seis dias por semana?
R: Vejo com muito bons olhos. Redução de jornada tem que fazer sem redução de salário. Nós precisamos preservar o poder aquisitivo das pessoas. Isso faz a atividade econômica se movimentar mais ainda.
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E quanto ao impacto econômico da medida?
R: Claro que vai ter impacto de custo. Não tem como reduzir sem ter impacto de custo. Tem que ser um processo de reorganização. A jornada de seis dias é uma das mais cruéis que existem. Eu acabei com isso no sindicalismo dos metalúrgicos do ABC há trinta anos, negociando a mobilização. E obtivemos a redução de jornada sem redução de salário.
Como seria essa reorganização?
R: Fixar horário de trabalho está ligado ao processo de negociação. A lei pode proibir o regime 6 por 1, mas fixar horário tem que ser matéria de conversa porque tem atividade econômica que precisa funcionar os 365 dias do ano, 24 horas por dia. Eu fiz muita negociação onde você tinha que formar as grades de horários para manter a atividade econômica, mas sempre preservando o trabalhador.
O ministério vai atuar para a PEC da jornada 6 por 1 ir adiante?
R: Sim. A deputada Erika Hilton pediu para montar um grupo de estudo no Ministério do Trabalho. E a gente preza por organizar todos os grupos de trabalho tripartite: empresários, trabalhadores e governo à mesa, junto com os parlamentares, para fazermos esse estudo. Estamos inteiramente à disposição.
Por que a proposta de regulamentação dos trabalhadores por aplicativo não foi adiante?
R: Fomos mal compreendidos. A turma do “zap”, que quer botar lenha na fogueira, construiu com uma eficiência impressionante uma visão distorcida da ideia que está em pauta. Falaram que o projeto tirava a liberdade do trabalhador. Não é verdade. Essa liberdade de trabalhar para uma, duas ou mais plataformas está garantida no texto. Toda liberdade pessoal, toda proteção, toda transparência, tudo isso está inserido lá no projeto de lei.
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O debate será retomado?
R: Vou voltar a falar com eles agora. Seria um bom patamar de proteção para a categoria, inclusive para ela se auto-organizar e fazer novas conquistas.
Diante de todas as mudanças que vêm ocorrendo no mercado, os sindicatos ainda conseguem representar a massa de trabalhadores?
R: Os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro enfraqueceram os sindicatos. Esperamos que essas organizações tenham a capacidade de aproveitar o momento de pleno emprego e se reapresentar para a classe trabalhadora.
Qual seria o papel hoje dessas organizações?
R: Elas precisam voltar a representar os trabalhadores nas convenções coletivas, no debate sobre o piso salarial. Os pisos salariais precisam estar acima do salário mínimo para acelerar o processo de distribuição de renda e produzir mais crescimento. Mais crescimento do PIB, mais crescimento da economia e mais geração de emprego.
Para muitos analistas e até mesmo alguns políticos de esquerda, esse tipo de visão foi uma das razões que provocaram as derrotas nas eleições municipais. O que o senhor acha dessa avaliação?
R: Eleições para prefeito e eleições presidenciais são completamente diferentes. Nós não crescemos o que gostaríamos de ter crescido. Então, é uma derrota do PT. Agora, crescemos em relação à última eleição municipal, tanto em número de vereadores quanto de prefeituras, mas isso não garante 2026.
Qual o significado das derrotas em lugares simbólicos para o PT, como no ABC Paulista, berço político do partido?
R: A sociedade está um tanto quanto esquizofrênica. Parece que a gente não reconhece onde é que estamos. Criaram-se na mente de muita gente valores que nem sequer nós defendemos. Vamos descobrir como desmistificar as mentiras, fomentadas especialmente pelas redes sociais.
Como analisa o crescimento da direita no país?
R: O União Brasil e o MDB sempre foram campeões de gestão de cidades e nunca conseguiram ganhar eleição presidencial. É um desafio que passa pelo processo de educação. A extrema direita está criando valores mentirosos e que tumultuam todo o debate da boa educação, de formar pessoas com mentes livres e críticas. E não é só no Brasil.
Para 2026, há alguma alternativa fora a tentativa de reeleição de Lula? A idade dele e os problemas recentes de saúde não prejudicam esse plano??
R: Não muda absolutamente nada. Lula é candidatíssimo à reeleição.
Os partidos que participam do governo devem apoiar esse projeto?
R: É pressuposto. Esses dias, um deputado do União Brasil falava que o partido dele tem que ter candidato a presidente. Eu acho que ele tem razão. Mas, se tem que ter candidato, não pode estar no governo. Vai cuidar da campanha e abre espaço para quem vai sustentar o governo. Recentemente, o meu amigo (Gilberto) Kassab, presidente do PSD, falou que o Lula está mal. Será que está mal ou é uma forma de fazer média com o seu chefe atual? Porque o (presidente do Senado, Rodrigo) Pacheco, o ministro da Agricultura (Carlos Fávaro), o (ministro da Pesca e da Aquicultura) André de Paula, que são do PSD, estão fazendo altos elogios ao funcionamento do governo e à liderança do presidente. Quais são os partidos que serão leais ao processo de construção do palanque para a reeleição e quais partidos vão querer navegar em outros barcos? É um debate que o presidente Lula terá que fazer.
Na hipótese de uma reforma ministerial, tirar partidos da base do governo não é perigoso para a correlação de forças no Congresso?
R: Preservar a aliança é uma coisa, ter inimigos dentro de casa é outra. Se tiver um remando contra, o barco vai ficar rodando. No ano que vem tem nova direção da Casa, tem todo um debate a ser construído.
O senhor teme perder o cargo por causa dessa possível reforma?
R: Não. Até porque eu não nasci ministro. Não sei o que o presidente está pensando. Evidentemente, eu acho que tem coisas aí a serem discutidas e ajustadas. Tem diálogos com partidos que compõem a base. Nós precisamos agora, daqui para 2026, organizar qual é o palanque de 2026.
O PT vai mudar a direção no próximo ano e integrantes da cúpula já vêm trocando farpas públicas. O partido está rachado?
R: Todas as renovações de direção do PT têm mais de um pretendente, é natural. O PT é bastante diferente dos demais partidos existentes no país. Sempre é cercado de muitos debates da militância e, dessa forma, esse debate acaba consolidando uma construção coletiva. O ruim é se ninguém quisesse assumir essa tarefa tão estratégica. Qualquer ministério não tem a mesma importância estratégica de ser presidente do PT.
Qual o perfil ideal para ocupar esse cargo?
R: Para ser presidente do Partido dos Trabalhadores é preciso olhar o todo, compreender, mostrar capacidade de liderança, ter uma relação com o presidente Lula que seja de confiança e de lealdade, e com a sua autonomia partidária. Nenhum dirigente pode ficar mais de dois mandatos na mesma função. É um processo de oxigenar o partido e renovar as direções para o futuro. O debate no PT está até frio ainda, vai esquentar.
Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição nº 2923
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil