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Senado volta a discutir PL da jornada de trabalho de quatro dias nesta semana; entenda debate

Discussão sobre tema começou na década de 1990; especialistas apontam que medida traria ganhos multilaterais

Por Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Brasília (DF) | Foto: Agência Brasil/Arquivo

Deve retornar à agenda do Senado nesta semana a proposta que trata da redução da jornada de trabalho para quatro dias semanais. Com o mérito da medida já aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) em dezembro do ano passado, os parlamentares irão avaliar agora cinco emendas de plenário que foram apresentadas por senadores neste mês. O texto, que tramita como Projeto de Lei (PL) 1105/2023, insere na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) um trecho que autoriza a diminuição da jornada sem que haja redução salarial para o empregado.

Pela proposta original, de autoria do senador Weverton (PDT-MA), a mudança dependeria de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. A primeira modalidade foi retirada da proposta pelo relator, Paulo Paim (PT-RS), mas o projeto ainda pode sofrer outras modificações, a depender do resultado da votação das emendas. Eventuais alterações também podem surgir por outra via: originalmente, o PL é terminativo à CAS, o que significa que partiria direto para a Câmara dos Deputados em caso de aprovação final na comissão, mas dois recursos apresentados por senadores do campo da direita pedem avaliação do texto também por parte da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa e pelo plenário.

Origem

O debate sobre o tema do projeto não é novo e tem crescido recentemente em diferentes partes do mundo, aspecto que é lembrado pelo relator no parecer chancelado pela CAS. “A redução da jornada de trabalho atende aos anseios do mundo do trabalho moderno, garantindo qualidade de vida ao trabalhador e, consequentemente, maior produtividade. Diversos países já discutem um modelo laboral com redução da jornada de trabalho sem cortes nos salários, e entre eles França, Alemanha, Espanha, Dinamarca”, cita Paim.

No Brasil, os primeiros debates e propostas a esse respeito no Legislativo federal remontam à década de 1990. Desde então o tema passou por momentos de estagnação e algumas eventuais altas. Em 2010, por exemplo, quando a pauta vivia uma nova onda no Congresso Nacional e no meio sindical, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) chegou a publicar uma nota técnica em que apontava que o país teria condições de implementar uma medida dessa natureza. Entre os argumentos levantados, estaria o baixo custo dos salários dos trabalhadores brasileiros no cálculo do custo total de produção do país quando comparados a outros países, o que, segundo a entidade, demonstra que a adoção da jornada de quatro dias não afetaria negativamente a competitividade das empresas.

Raciocínios do tipo continuam atuais, segundo aponta a análise da socióloga Adriana Marcolino, que hoje trabalha na atualização da nota técnica no Dieese. “A última redução que a gente teve [de jornada laboral] foi na Constituição Federal de 1988 e, de lá pra cá, a gente já teve um progresso técnico, aumento de produtividade, que as empresas muitas vezes dizem que não é tão volumosa, mas teve produtividade. Esses elementos já possibilitam que esses ganhos de produtividade sejam redistribuídos a partir da redução da jornada de trabalho.”

Ela cita dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mostram que a participação dos salários da classe trabalhadora no Produto Interno Bruto (PIB) despencou 12,9% em meia década, considerando o período de 2016 a 2021. É o pior resultado em 16 anos. A constatação inverte a curva que vinha se delineando no país de 2004 a 2016, quando essa fatia cresceu 16,3%. Enquanto a força dos salários vem se reduzindo na soma de todas as riquezas produzidas no país entre 2016 e 2021, o excedente operacional bruto das empresas, diretamente ligado ao volume de lucros, cresceu 16% no mesmo período.

“Se a gente não tem um aumento salarial consistente e não tem uma redução de jornada de trabalho, significa que todos esses ganhos de produtividade estão sendo incorporados pelo capital. O capital tem se apropriado dos lucros, e isso não tem sido repartido com os trabalhadores, seja a partir de salários, seja a partir da redução da jornada, que também é uma forma de redistribuição disso. Então, acho que é urgente reduzir a janela de trabalho sem a redução salarial porque isso tem base técnica e ainda traria ganhos de produtividade”, destrincha a socióloga.

Figuras como o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, já defenderam publicamente a pauta. Em outubro do ano passado, durante audiência pública que discutia o PL 1105 no Senado, o mandatário fez coro em defesa da proposta. “Eu acredito que passou da hora. Não tratei disso com o presidente Lula. É a minha opinião, não de governo, mas tenho certeza de que o presidente Lula não iria bloquear um debate em que a sociedade reivindique que o parlamento analise a possibilidade de redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, evidentemente. Eu acho que a economia brasileira suportaria”, manifestou.

O assessor técnico do Fórum das Centrais Sindicais, Clemente Ganz Lucio, acredita que o ritmo da pauta no Brasil pode ser embalado pelos resultados econômicos. “Se a gente trabalhar com a hipótese de que o país consiga sustentar uma trajetória de crescimento de médio e longo prazo, esse crescimento trará transformações econômicas que poderão impactar positivamente o mercado, facilitando a adesão à proposta da diminuição de jornada. Diante disso, cabe ao movimento sindical ter uma pauta propositiva capaz de ajudar a promover mudanças.”

Experiências

No Brasil, um projeto-piloto vem sendo executado pela organização “4 Day Week Brazil” (semana de quatro dias, em português) , representante da “4 Day Week Global” no país, que acompanha hoje 22 empresas que aderiram à ideia. As instituições participantes passaram o último trimestre de 2023 se adaptando para iniciarem os testes neste ano. O modelo consiste no chamado “100-80-100”, cuja ideia é manter o salário integral dos funcionários – ou seja, 100% – exigindo apenas 80% do tempo antes investido no trabalho e garantindo também 100% de produtividade. Segundo a entidade, resultados preliminares já indicam ganhos como aumento da assiduidade, melhora da saúde mental dos funcionários, entre outros.

O saldo repete uma tendência já observada em outros países. No Reino Unido, por exemplo, um teste feito ano passado com 61 empresas mostrou que 39% dos trabalhadores passaram a se sentir menos estressados após a mudança, 79% relataram redução de sintomas da síndrome de Burnout — mal desencadeado por excesso de trabalho – e 54% notaram mais facilidade para administrar vida pessoal e vida profissional ao mesmo tempo.

O Dieese vê o movimento como um avanço, mas também faz ressalvas ao modelo. A entidade considera escorregadia a exigência de manutenção de 100% da produtividade, especialmente diante das características que o mercado de trabalho tem assumido no Brasil. “O movimento é positivo por ser uma iniciativa de redução da jornada, mas isso não tem envolvido o movimento sindical e manter a produtividade é não redistribuir os ganhos. Precisamos reduzir o ritmo de trabalho, que aumentou muito nos últimos tempos e é responsável por um conjunto de doenças. A ideia é reduzir a jornada pra dividir essa produção para mais pessoas pra que elas de fato trabalhem menos. Não basta disponibilizar mais horas livres. É preciso ter qualidade de saúde e segurança no trabalho”, argumenta Adriana Marcolino.

A título de ilustração, a socióloga calcula que a redução da jornada de 44 para 40 horas semanais, por exemplo, teria potencial econômico de gerar mais de 3 milhões de postos de trabalho – o Brasil tem hoje cerca de 8,5 milhões de pessoas desempregadas, segundo estatísticas do IBGE. “Mas, se você faz uma redução de carga horária e exige que todo mundo continue produzindo a mesma coisa, em geral, você não vai gerar esses empregos”, pondera, acrescentando que o aspecto da saúde do trabalhador precisa também ser levado em conta a todo momento.

A médica Maria Maeno, da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), autarquia do governo federal vinculada ao Ministério do Trabalho, afirma que o excesso de trabalho é um conhecido vetor de adoecimento. “A jornada aumenta o cansaço. Com isso, você tem uma possibilidade maior de acidente. Não que isso seja definitivo. O ideal seria que as empresas oferecessem condições de trabalho que, mesmo as pessoas estando cansadas, não gerassem acidentes porque todo mundo tem um dia em que está pior. E as condições de trabalho deveriam ser boas, o suficiente pra suportar esse tipo de variabilidade das pessoas, mas o fato é que jornada excessiva favorece adoecimentos.”

“Assim, reduzir jornada de trabalho significa diminuir a exposição a várias situações precárias de trabalho, significa tempo maior para si mesmo, tempo maior para os filhos, tempo para se cuidar”, emenda a especialista. No Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, foram atendidos quase 3 milhões de casos de doenças ocupacionais entre 2007 e 2022, segundo estatísticas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. O número engloba desde casos de exposição a materiais biológicos, lesões por esforço repetitivo (LER), acidentes, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, entre outros.

“Mas nenhum banco de dados no Brasil expressa de fato a dimensão dos impactos do trabalho na saúde. Esse banco do SUS é subestimado porque ele registra doenças atendidas somente no SUS, então, as doenças atendidas nos convênios ficam de fora da estatística, infelizmente.”

Embaraços

O aspecto da ampliação de contratações para compensar a redução da jornada é visto como o maior gargalo para a negociação da pauta com o patronato. “Acho até que essa proposta de ‘100-80-100’ está sendo muito divulgada e é apoiada por algumas empresas exatamente por exigir os 100% de produtividade”, comenta a socióloga do Dieese. Para Clemente Ganz Lucio, as dificuldades políticas que cercam a ideia de construção de uma jornada de quatro dias fazem parte do trajeto já esperado para um projeto dessa natureza.

“A possibilidade de se colocar esse debate na ordem do dia vai sempre gerar reações, mas o fato é que não tem nada de novo nessa história. Não é novidade os trabalhadores pedirem redução de jornada nem é novidade os empresários dizerem que isso supostamente mataria a economia ou algo do tipo. Há uma desigualdade muito expressiva no mercado de trabalho e tem setores que certamente terão mais dificuldade [com essa agenda] e outros que terão melhores condições de avançar nisso, como o setor financeiro e vários setores industriais, mas o fato é que é preciso trazer essa pauta para um patamar de debate civilizatório.”

Para o assessor, o jogo político em torno do tema não pode deixar de considerar condições conjunturais já anunciadas para o mercado de trabalho a médio prazo. “A inovação tecnológica é algo que vai impactar todos os postos. Os estudos já mostram isso, falam em 40% a 60% dos postos de trabalho serem atingidos nestes próximos 10 anos, então, não estamos falando de qualquer coisa, e sim de algo muito expressivo. Teremos esse feito no Brasil também, por isso o debate sobre a jornada de quatro dias semanais é urgente.”

Edição: Geisa Marques