Entenda o que falta para que o piso da enfermagem seja obrigatório
Saga relacionada aos novos salários da categoria carece ainda de aprovação de PLN no Congresso e decisão do STF
por Cristiane Sampaio
edição de Vivian Virissimo
Alvo de uma série de tratativas políticas que se desenrolam desde 2020 no Legislativo, o piso da enfermagem carece ainda de algumas etapas para voltar a ser obrigatório, o que ocorreu em agosto do ano passado, quando foi sancionada a lei que impõe os novos salários mínimos da categoria. Depois de o presidente Lula (PT) assinar, na terça-feira (18), o projeto de lei do Congresso Nacional (PLN) que trata do custeio da medida, a proposta precisará ser analisada agora por deputados e senadores.
O texto assinado pelo petista abre um crédito especial de R$ 7,3 bilhões em favor do Ministério da Saúde (MS). O montante seria o necessário para financiar o pagamento dos novos salários mínimos da categoria em todos os estados, municípios e no Distrito Federal até dezembro deste ano. Os valores também abarcam as entidades filantrópicas e os prestadores de serviços que atendam, no mínimo, 60% dos seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Esses setores estão previstos na Emenda Constitucional (EC) 127, que foi chancelada no final de 2022 pelo Congresso e determina que o superávit financeiro dos fundos públicos do Poder Executivo seja canalizado para o custeio do piso. Agora, com a assinatura do PLN, que será votado em regime de urgência, a expectativa é de que o tema seja apreciado na próxima sessão do Congresso Nacional, prevista para ocorrer na próxima quarta-feira (26). A tendência é que o texto seja aprovado com facilidade e com ampla maioria, assim como ocorreu na votação das demais medidas relacionadas ao piso da enfermagem no Legislativo.
“Nós esperamos do Congresso o óbvio: que aprove o mais rápido possível. Estamos entendendo que dia 26 vai estar na pauta, porque vai ter sessão do Congresso Nacional, e [queremos] que ele seja aprovado já nessa sessão porque depende dele para, posteriormente, o Ministério da Saúde editar uma portaria dizendo que vão ser divididos os valores”, diz a presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), Solange Caetano.
Segundo passo
Após a chancela do Legislativo e da edição da portaria, a expectativa no cenário político é de que o Supremo Tribunal Federal (STF) revogue a liminar do ministro Luís Roberto Barroso que suspendeu a aplicação do piso nacional da categoria. Esse seria o último passo para garantir de fato a obrigatoriedade dos novos salários. A decisão do magistrado se deu em setembro, exatamente um mês após a publicação da Lei nº 14.434/2022, que instituiu os novos valores mínimos salariais do segmento. A norma prevê R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras.
Barroso havia suspendido o piso alegando que o caráter impositivo da medida geraria risco de demissão de massa e oferta de leitos no setor de saúde. A decisão foi tomada a partir de pedido formalizado pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que representa empresários do segmento. O grupo demonstrou resistência à criação do piso desde quando o Congresso começou a debater o assunto, em 2020.
Histórico
A disputa judicial em torno do tema intensificou a saga pela garantia do piso no âmbito do Legislativo. Além da aprovação da lei federal, a Câmara e o Senado também promulgaram a Emenda Constitucional 124, que inseriu o piso nacional da enfermagem na Constituição Federal. Até então, somente agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias contavam com esse tipo de previsão. A EC 124 foi publicada em julho de 2022, antes mesmo da sanção da nova lei, como forma de dar maior segurança aos trabalhadores da enfermagem no que diz respeito ao direito de ter o piso.
Já a EC 127 veio meses após a decisão de Barroso e foi provocada pelos argumentos levantados pelo ministro. Ao longo do percurso legislativo que levou à aprovação das três medidas, a categoria foi se fortalecendo politicamente por meio dos diferentes protestos e articulações que sustentaram a relação entre a base dos trabalhadores do segmento e parlamentares aliados.
Esse processo fez com que a bandeira do piso ganhasse as redes sociais e as ruas em diferentes pontos do país, por conta da pressão exercida pelos trabalhadores sobre os parlamentares nos seus respectivos estados. A jornada ajudou a dar maior tração e popularidade à pauta, o que fez com que o segmento da enfermagem se fortalecesse politicamente. Agora, com mais esse passo dado pelo PLN de Lula na terça (18), a expectativa dos profissionais que atuam no setor só aumenta. É o que afirma a presidenta da FNE.
“É tudo que os trabalhadores querem porque temos uma gama de trabalhadores que ganham menos do que o valor do piso. Então, isso vai, sem dúvida nenhuma, trazer uma valorização, um reconhecimento para os profissionais, não só para os enfermeiros, mas também para os técnicos, auxiliares e parteiras. Pra você ter uma ideia, tem cidades no interior onde encontramos enfermeiros concursados em prefeituras recebendo R$ 1.800, e aí [isso] desanima os profissionais”, destaca Solange Caetano.
O mercado de trabalho da categoria é caracterizado por diversas realidades paralelas. Em alguns níveis e setores, os profissionais já ganham mais do que o piso previsto na lei, mas essa não é a realidade da maior parte do segmento. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta, por exemplo, que 85% dos técnicos de enfermagem ganham abaixo de piso salarial proposto na nova lei.
Interlocutores do governo Lula têm dito que, se de fato os parlamentares aprovarem o PLN na próxima sessão do Congresso, a ideia é que o pagamento dos novos salários já seja garantido aos trabalhadores a partir de maio, se tudo correr dentro do previsto.
A trajetória de luta pela criação do piso da enfermagem começou ainda no final da década de 1980 e o assunto foi alvo de diferentes projetos de lei no Congresso ao longo do tempo, mas somente a partir de 2020 ganhou maior fôlego entre os parlamentares, no contexto da pandemia. O projeto de lei (PL) que deu origem à medida é de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES).
Foto principal: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Fonte: Brasil de Fato