Juros, Petrobras e outras ‘bombas’ que o governo atua para desarmar
Para arrumar a casa, a nova gestão tem que lidar com heranças explosivas deixadas por Temer e Bolsonaro que atrapalham o desenvolvimento econômico, político e social do país
A luta contra os juros altos no Brasil é uma das marcas dos 100 primeiros dias do governo Lula. Pela primeira vez, um presidente assume sem poder ditar os rumos imediatos da política monetária. A “autonomia” do Banco Central (BC) é um dos principais legados do período Bolsonaro. Independente do governo, mas dependente do sistema financeiro, o BC mantém desde de agosto a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano. Paraíso do rentismo, o país tem hoje a maior taxa de juros real – descontada a inflação – em todo o mundo.
Lula sabe que o sucesso do seu governo depende do crescimento da economia. O crédito caro, no entanto, asfixia o consumo das famílias, que em sua maioria já estão endividadas. Sem ampliação do consumo, não há emprego, nem investimento. O presidente, então, resolveu colocar a boca no trombone, passando a pautar a discussão sobre os juros altos no debate público.
Refém de Campos Neto
“Absurdo”, “irresponsabilidade”, “contraproducente” foram alguns dos termos utilizados por Lula para classificar a Selic. Ele tem afirmado que o Brasil não vive uma inflação de demanda. Assim, encarecer o crédito não resolve o problema. Nesse sentido, chegou dizer que o país não pode ser “refém” de Roberto Campos Neto, presidente do BC.
Apesar da pressão, no fim do mês passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve os juros em 13,75%. Lula afirmou que vai seguir “batendo”. E a batalha do presidente conta com apoio popular. Recentemente, pesquisa Datafolha mostrou que, para 80% entrevistados, Lula tem razão em criticar os juros.
Pressão
Representantes do setor produtivo também passaram a reclamar. As montadoras de automóveis, por exemplo, estão reduzindo a produção e dando férias coletivas. E atribuem aos juros altos parte dos problemas que levaram à queda nas vendas. A presidenta do conselho de administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano, também pediu união dos empresários pela redução dos juros.
Até então, a alegação de Campos Neto e sua equipe é que a Selic não poderia baixar em função das incertezas em relação ao equilíbrio dos gastos públicos. Esse pretexto tem prazo de validade, já que recentemente o ministro da Fazenda apresentou o chamado “arcabouço fiscal“. Pelas novas regras que devem substituir o malfadado teto de gastos – herança do governo Temer –, o governo prevê as contas no azul em 2025.
Finalmente, na quarta-feira (5), Campos Neto disse que era preciso “reconhecer” o esforço do governo e avaliou como “superpositiva” a proposta do novo arcabouço fiscal. Disse que é preciso esperar a tramitação da proposta no Congresso, mas afirmou que o risco de crescimento desordenado da dívida “foi eliminado”. No entanto, acrescentou que não existe “relação mecânica” entre a questão fiscal e taxas de juros, sinalizando que deve resistir ainda a reduzir a Selic.
Debate
No fim de abril, o Senado realiza um debate temático sobre juros, inflação e crescimento econômico. Assim, é esperada a participação de Campos Neto, Haddad e da ministra Simone Tebet (Planejamento). Também foram convidados o ex-presidente do BC Armínio Fraga, o ex-deputado e diretor-presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, Rodrigo Maia e o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney Menezes Ferreira.
O encontro seria realizado nesta última semana, mas foi adiado em função do feriado da Páscoa. Na ocasião, de acordo com a coluna Radar, da Revista Veja, Lula teria dito ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que pretendia acompanhar a discussão pessoalmente. “Eu vou. Acho importante estar no Senado nesse dia”, disse.
Petrobras
Passados os 100 primeiros dias, outra bomba que o governo Lula atua para desarmar está na Petrobras. A estatal já trocou a direção, mas o Conselho de Administração (CA) continua ocupado por bolsonaristas. Assim, a atual gestão tem atuado para tentar barrar privatizações assinadas durante o governo anterior. O Ministério de Minas e Energia (MME) chegou pedir a suspensão da venda de ativos. Refinarias e subsidiárias foram vendidas ao capital privado por preços abaixo do valor de mercado.
Outra questão igualmente fundamental é a nova política de preços. Trata-se de substituir o Preço de Paridade de Importação, que dolarizou os custos de produção dos combustíveis no Brasil. Outra herança do governo Temer, o PPI foi mantido com unhas e dentes por Bolsonaro. Tal política garantiu a distribuição de cerca de R$ 200 bilhões em dividendos aos acionistas da Petrobras no ano passado. Em 2021, foram outros R$ 100 bilhões, enquanto a maioria da população pagava mais de R$ 7 pelo litro da gasolina.
Em fevereiro, a empresa reduziu em 3,92% o preço, servindo para acomodar parte da reoneração parcial anunciada pelo governo, corrigindo manobra eleitoreira da gestão Bolsonaro. O preço do diesel também caiu. Com base no PPI, essas reduções têm relação com a queda do preço do petróleo no mercado internacional.
Nova política
No entanto, no início do mês, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+) anunciou corte de produção de até 1,6 milhão de barris por dia dos países do grupo, elevando novamente os preços. Em função desse movimento, analistas do mercado dizem que o barril do tipo brent pode voltar a ultrapassar a marca dos US$ 100. Se mantidos os preços dolarizados, uma nova alta provocada pelo mercado externo pode acelerar de novo a inflação, comprometendo inclusive a batalha do governo pela queda dos juros.
Assim, o governo aguarda a mudança no CA da Petrobras, no final de abril, para estabelecer uma nova políticas de preços. O presidente da estatal, Jean Paul Prates, chegou a chamar o PPI de “dogma” e afirmou que os preços dolarizados vão valer apenas para os combustíveis importados. Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG) afirmou que “a Petrobras produz em real e tem que ter seu custo calculado em real”. Desde antes da eleição, Lula propõe “abrasileirar” os preços dos combustíveis.
Garimpo ilegal, trabalho e outros temas explosivos
O garimpo ilegal na Amazônia é outro legado nefasto da era Bolsonaro que Lula está combatendo. As ações de combate à extração de ouro, desmatamento e contaminação do solo e da água ocorre não apenas no território Yanomami, em Rondônia, que levou a uma crise humanitária entre os indígenas da região. Na semana passada, cinco pessoas, incluindo dois militares do Exército, foram presos pela Polícia Federal no Sul do Amazonas. Com o apoio do Exército e do Ibama, a PF também realizou outra operação de contra o garimpo ilegal no Amazonas.
Já a reforma trabalhista, mais uma herança do golpe contra Dilma, também segue na agenda do novo governo. O objetivo do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não é revogar a íntegra, mas rever pontos que resultaram no enfraquecimento dos direitos. O ministro aposta no diálogo entre governo, trabalhadores e empresários na busca de consensos sobre o tema.
Golpismo e fake news
Ao mesmo tempo, também avançam as investigações contra os bolsonaristas que participaram da tentativa de golpe em 8 de janeiro, quando invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncias contra mais 203 envolvidos. Ao todo, já são 1.390 denunciados, entre executores, financiadores, incitadores e agentes públicos que se omitiram durante a invasão. A Advocacia-Geral da União também cobra na Justiça R$ 100 milhões de indenização a 54 pessoas físicas, três empresas, uma associação e um sindicato que financiaram a depredação.
Para conter os estragos da disseminação das notícias falsas na internet, o governo lançou recentemente a campanha Brasil contra Fake. Bolsonaristas espalharam, por exemplo, que o governo teria determinado o fechamento de comportas da transposição do São Francisco, quando se tratava de uma interrupção momentânea para manutenção.
Do mesmo modo, o governo deve apresentar em breve um projeto de lei que trata da regulamentação das redes sociais. O objetivo é proteger a liberdade nas redes e buscar estabelecer o “dever de cuidado” das plataformas em relação à divulgação de conteúdos criminosos. Elas também teriam de dar mais transparência a critérios como moderação, impulsionamento e retirada de conteúdos.
Foto:Fernando Frazão/Agência Brasil
Fonte: Rede Brasil Atual – RBA