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Hospitais ameaçam demitir para não pagar o piso salarial da enfermagem

Trabalhadores denunciam ameaças nos hospitais privados, que inclui rebaixamento de cargos. Para categoria, adoecimento físico e mental, sobretudo na pandemia, aliado aos baixos salários, deve tirar muitos profissionais da área

A chantagem dos hospitais, especialmente os privados, para não pagar o piso salarial nacional de enfermagem a partir do dia 5 de setembro, tem deixado técnicos, auxiliares e enfermeiros indignados. Eles ameaçam com demissão em massa e fechamento de leitos. Os trabalhadores retrucam dizendo que “dinheiro tem porque os hospitais estão lotados. O que eles querem é lucro cada vez mais alto.”

A reportagem do PortalCUT conversou com duas enfermeiras, uma de um hospital particular de São Paulo e outra de um hospital público de Maceió (AL). A profissional de São Paulo duvidou que os patrões demitam. Segundo ela, o número de pacientes e cirurgias, muitas delas adiadas durante o auge da pandemia de covid-19, aumentou e o hospital está sempre lotado. Ela reclamou da “chiadeira” dos donos de hospitais para pagar o que é direito dos trabalhadores da categoria.

Já a enfermeira alagoana diz que está cansada da falta de valorização e reconhecimento, além do trabalho pesado, e que está estudando mudar de profissão. Segundo ela, muitos colegas também querem mudar de área.

Tanto a categoria quanto seus representantes nas entidades sindicais, que lutaram para ter o mínimo de reconhecimento financeiro pelo trabalho essencial que exercem, rechaçam os argumentos patronais de que não têm dinheiro para pagar o piso.

Desde que o Projeto de Lei, do senador Fabiano Contarato (PT-ES), foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela presidência da República, o lobby dos hospitais particulares tem feito dezenas de declarações terroristas junto à imprensa, ameaçando diminuir o atendimento, fechar leitos e demitir esses profissionais.

A mais recente ameaça cita uma pesquisa realizada pela Confederação das Santas Casas, que teria consultado 2.511 unidades médicas, incluindo hospitais privados, filantrópicos, santas casas, clínicas especializadas e serviços de diagnósticos, conclui que o reajuste salarial da enfermagem pode resultar na perda de 83 mil postos de emprego e o fechamento de 20 mil leitos.

Tudo isso para não pagar os valores do piso salarial nacional da Enfermagem que são de R$ 4.750 para enfermeiros e enfermeiras, de R$ 3.325 para técnicos e técnicas de enfermagem, e de R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras.

A pesquisa foi vista com repulsa pela categoria, que reforça: eles têm, sim, como pagar o piso.

“Não tem sustentação a tese de que o setor privado com fins lucrativos não tem condições de pagar o piso, esse segmento foi justamente o que mais lucrou na pandemia”, disse Daniel Menezes, conselheiro e porta-voz do Confederação Nacional dos Enfermeiros (Cofen), em entrevista ao Congresso em Foco.

“Um levantamento da Forbes chegou a mostrar que os hospitais privados faturaram acima de 20% em relação aos anos anteriores”, disse o dirigente sindical.

“O momento é de resistir”, diz em nota o Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (SERGS), que desmascara “o choro” dos patrões.

“Fomos vitoriosos(as) até agora, não podemos esmorecer. A luta será árdua, mas temos a população ao nosso lado”, diz trecho da nota.

Reações em São Paulo e Maceió

A enfermeira de um hospital particular de São Paulo, que não quer se identificar para evitar represálias, diz que o movimento na unidade não diminuiu após o auge da pandemia. Ao contrário, se mantém e algumas vezes chega a ser maior. De acordo com ela, cirurgias adiadas na pandemia estão sendo realizadas agora e além disso, há um maior atendimento na ala infantil.

“Onde trabalho, a ala da Covid foi transformada em ala infantil porque as crianças recém-nascidas que ficaram em isolamento por causa da infecção, hoje começam a ter mais contatos. Mas elas estão com a imunidade baixa por terem sido isoladas. Isso também acontece com os adultos. Já a demanda por cirurgias, tão cedo não vai terminar”, conta a trabalhadora, que atua há oito anos como enfermeira e quatro, como auxiliar e técnica.

Ela diz ganhar acima do piso, mas entende que, para seus colegas que não ganham, a “chiadeira” dos hospitais é um “balde de água fria”.

A enfermeira conta ainda que tem sido comum os hospitais particulares terceirizarem a contratação de profissionais de enfermagem. No caso daquele em que trabalha, as contratações terceirizadas são feitas por nove meses e somente após esse período o hospital contrata efetivamente o trabalhador ou a trabalhadora. Mas podem também ser demitidos, após este prazo. “Terceirizando, o hospital economiza com plano de saúde, cesta básica e outros direitos que o trabalhador fica sem receber por que a terceirizada não paga esses benefícios”, critica.

Enfermeiras querem mudar de profissão

“O profissional se sente desvalorizado, desmotivado e, por isso, muitos têm feito cursos em outras áreas para mudar de profissão. Eu mesma estou estudando para outro setor. Tenho amigos que estão fazendo odontologia e outros cursos por se sentirem desmotivados, apesar do esforço feito durante a pandemia. Muitos adoeceram fisicamente e mentalmente, (estão) com problemas psicossomáticos, ansiedade e depressão, nesse período”, desabafa.

Na outra ponta, em um hospital público de Maceió, a revolta com a falta de reconhecimento pelo trabalho realizado é a mesma e o desejo de mudar de profissão também. A  enfermeira alagoana, que também prefere não se identificar, é outra profissional que está estudando para abandonar a enfermagem e seguir outra carreira.

Ela conta ainda que outros colegas querem mudar de profissão pelo estresse, sacrifício e doenças que os acometem. Muitos deles, diz, morrem antes de se aposentar. E há muitas “senhorinhas” trabalhando com muito sacrifício.

“Sou servidora pública há 20 anos e há 10 sou enfermeira, mas não vejo a hora de me aposentar e mudar de profissão. Na pandemia, a vontade de desistir foi grande, mas fomos nós que ficamos ao lado dos pacientes. Somos nós que damos alguma dignidade a eles. Damos banho, limpamos fezes e vômitos, e damos palavras de carinho e ânimo. Já não temos condições de trabalho dignas, merecemos um aumento salarial digno”, afirma a servidora da saúde.

Faltam profissionais no mercado

Não tem profissionais de saúde sobrando no mercado de trabalho, justamente por causa do adoecimento e da falta de reconhecimento financeiro, avalia a enfermeira de São Paulo. Segundo ela, os que continuam trabalhando ficaram pelo comprometimento e princípios éticos pelo juramento que fazem. “Nos hospitais, 80% dos atendimentos são feitos pela enfermagem. Sem nós, os hospitais não ganham dinheiro, e ainda assim querem achatar nossos ganhos. Por isso, a maioria tem vontade de sair, sem olhar para trás”, desabafa.

Por sua vez, a enfermeira de Maceió, que ganha um pouco abaixo do piso nacional aprovado, atuou fortemente para a aprovação da lei, participando de assembleias, manifestações presenciais e utilizou suas redes sociais para que a categoria tivesse esse reconhecimento.

Ela diz se sentir indignada com as queixas dos hospitais privados, de que não têm dinheiro para pagar o piso nacional. “Quando se fala na categoria médica ninguém pensa em diminuir salários. Mas desde que conquistamos o novo piso, uma vitória da enfermagem, há essa reação dos hospitais, principalmente dos particulares. Eles esquecem que quem comanda o hospital é a enfermagem. Sem nós, os técnicos e auxiliares, é impossível o atendimento hospitalar”.

Quando o piso deve ser pago

O piso nacional terá de ser pago a partir de 5 de setembro nos hospitais privados, filantrópicos, clinicas etc. Os servidores públicos devem receber a partir de janeiro de 2023.

 

Foto: Geovana Albuquerque / Agência Saúde

Fonte: Rosely Rocha | Portal CUT