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Direitos e deveres no home office ainda carecem de regras claras

Ajuda de custos, controle de jornada e escolha de voltar ou não ao escritório estão entre principais questionamentos

Folha de S. Paulo – Conta de luz mais cara, jornada de trabalho sem fim e dificuldades de promoção futuras para quem optar por não voltar ao escritório. Quase dois anos após o início das medidas de distanciamento e com as empresas tentando voltar ao modelo presencial, o home office ainda gera dúvidas entre os trabalhadores.

No início das medidas de isolamento no Brasil, em março de 2020, o modelo mais próximo à nova realidade dos trabalhadores era o do teletrabalho, regulamentado pela reforma trabalhista de 2017, e muitos empregados e empresas tiveram de aderir ao home office pela primeira vez.

Ao longo da crise sanitária, então, o governo publicou uma sequência de medidas provisórias e recomendações, como as MPs 927 e 936, que flexibilizaram parte das regras previstas na CLT.

As medidas, no entanto, estavam atreladas ao estado de calamidade por conta da pandemia, e perderam a validade antes que a crise sanitária acabasse.

Na prática, com o avanço da vacinação, as flexibilizações e novas ondas de Covid-19, as empresas têm se organizado para decidir sobre o fornecimento de equipamentos de trabalho, o número de dias fora do escritório e a compensação por aumento de gastos ou mudanças nos contratos.

Na empresa da especialista em comércio exterior Cristiane Paulucci, 54, os empregados conseguiram aulas virtuais de ginástica laboral e meditação online. As equipes também receberam em casa cadeiras de escritório e outros equipamentos de apoio.

Ela, que tinha um cômodo em seu apartamento usado para receber visitas, resolveu contratar uma arquiteta Fernanda Moreira e investir cerca de R$ 13 mil para transformar o espaço em escritório e sala de estudos.

“Quando o escritório voltar ao normal, a ideia é ir três vezes por semana. Por um lado, economizo cerca de 1h20 no trânsito todos os dias, mas acho importante e saudável ter o contato com as pessoas e sair de casa. Ir para o escritório duas vezes por semana seria o ideal.”

Moreira conta que a busca por clientes que passaram a trabalhar mais tempo em casa e precisavam reformar ou criar um escritório foi uma das principais demandas nos últimos anos. As necessidades variavam de acordo com a função e os equipamentos fornecidos pelas empresas.

Mas nem todos os conflitos que vieram com o home office foram resolvidos pacificamente. No ano passado, por exemplo, um juiz do Trabalho no Rio de Janeiro determinou que a Petrobras fosse responsável pelos custos mensais dos funcionários em casa, a partir de uma ação coletiva do Sindicato dos Petroleiros local.

Os trabalhadores exigiam que a petroleira arcasse com os custos de internet, energia elétrica e fosse responsável por disponibilizar a estrutura física para o trabalho em casa. Após recursos, a empresa teve de manter apenas uma verba de apoio.

Para o especialista em direito do trabalho Ricardo Calcini, a pandemia exige uma regulamentação mais cuidadosa do trabalho em casa.

“A relação entre empregados e empresas sofreu um processo de acomodação em razão dos dois anos de pandemia, mas sem que tenhamos, até agora, uma efetiva segurança jurídica sobre o assunto.”

Ele avalia que é urgente a criação de uma nova legislação que detalhe melhor os direitos e obrigações do trabalhador, a partir das demandas criadas com a pandemia.

“A única diretriz normativa atualmente vigente é a do teletrabalho na CLT, de 2017, anteriormente, portanto, ao início da pandemia, e que não dispõe especificamente sobre o home office.”

No primeiro ano da crise sanitária, entre março e agosto de 2020, as ações na Justiça do Trabalho envolvendo home office chegaram a aumentar 270%, até pela novidade que essa modalidade de trabalho trouxe para empresas e empregados.

O TST (Tribunal Superior do Trabalho) aponta que o número de processos envolvendo teletrabalho e home office chegaram a 258 em 2021, alta de 263% ante 2019, no pré-pandemia. No Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, ​foram 155 processos abertos por temas relacionados no ano passado —em 2019, eram cinco.

Segundo advogados, ainda há lacunas na legislação em relação ao controle de jornada, às horas extras e à privacidade no uso do computador, por exemplo.

No caso da ajuda de custos, Calcini entende que a empresa é obrigada a dar, já que a casa do funcionário se tornou uma extensão do escritório durante a pandemia. “A jornada de trabalho também deve ser a mesma de antes, com controle de jornada.”

Os especialistas em legislação trabalhista lembram que o potencial de crescimento das ações trabalhistas pode ser maior, já que muitos funcionários deixaram de acionar a Justiça para não arcar com o pagamento de honorários advocatícios, caso perdessem as causas.

Em outubro de 2021, o STF (Superior Tribunal Federal) entendeu que essa cobrança imposta pela reforma trabalhista é inconstitucional, e a tendência é de aumento no número de processos relacionados ao home office.

Segundo o também especialista em direito do trabalho Denis Sarak, onde há insegurança jurídica, há conflito. “A lacuna da nossa legislação favorece a desinformação e consequentemente os conflitos. Ainda não temos uma legislação específica sobre o home office, apenas projetos de lei.”

DIREITOS NO HOME OFFICE E O QUE FALTA REGULAMENTAR

  • Ajuda com gastos de luz e internet

A empresa deve fornecer uma ajuda de custos, já que a casa do funcionário se tornou uma extensão do escritório durante a pandemia, avalia o especialista em direito trabalhista Ricardo Calcini

  • Fornecimento de equipamentos de trabalho

O MPT (Ministério Público do Trabalho) recomenda que empresas e empregados observem itens de ergonomia (como mobiliário e postura física) e conexão, para que a empresa forneça as condições adequadas

  • Jornada de trabalho

A jornada de trabalho em casa também deve ser a mesma do escritório, com controle de jornada feito de forma eletrônica

  • Tempo de desconexão

O direito do trabalhador a períodos em que consiga ficar desconectado e barrar troca de mensagens fora do expediente, para garantir a saúde mental do funcionário, é uma das lacunas atuais

  • Privacidade em casa

O direito de imagem e à privacidade dos trabalhadores e seus familiares, sobretudo com o aumento do número de reuniões via transmissão de vídeo, precisa ser redefinido

 

Fonte: Folha de São Paulo