Três em dez brasileiros trabalham sem carteira assinada
Foto: Marcello Casal Jr.
Analista aponta que insegurança do cenário econômico faz com que as empresas não queiram estabelecer novos vínculos trabalhistas que gerem encargos
No Brasil, três em cada dez pessoas trabalham por conta própria, totalizando 25,5 milhões de indivíduos. É o que revela uma pesquisa desenvolvida pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A reportagem da Agência O Globo apurou que a quantidade de trabalhadores nessa categoria cresceu pela quinta vez seguida e ultrapassa em mais de 1,3 milhão o número registrado no mesmo período de 2019.
Ainda segundo a reportagem da Agência O Globo, neste grupo, o total de informais equivale ao triplo do número de trabalhadores com CNPJ. A autora do estudo, Janaína Feijó, chama a atenção para os níveis de escolaridade.
“Enquanto a maioria dos com CNPJ tem ensino médio ou superior completo, 53,7% dos informais sequer chegaram a terminar o segundo grau”, analisa Janaína: “Sem a qualificação, fica difícil se inserir no mercado. Então, eles acabam indo para o setor de serviços, trabalhando como ambulantes, por exemplo.”
Janaína afirma ainda que a pandemia intensificou um fenômeno que vinha crescendo nos últimos anos: a pejotização. Ao invés de contratar funcionários com carteira assinada, os empregadores selecionam prestadores de serviço.
Para ela, a insegurança do cenário econômico faz com que as empresas não queiram estabelecer novos vínculos trabalhistas que gerem encargos. Além disso, ela aponta a desburocratização na abertura de empresas como fator importante para o crescimento do número de microempreendedores individuais (MEIs).
Primeiro emprego
Num cenário de elevado desemprego, conseguir a primeira oportunidade sem nenhuma experiência torna-se uma tarefa desafiadora. Para se virar, muitos jovens já começam a vida profissional trabalhando por conta própria.
Um levantamento feito pela plataforma de inteligência de dados multimercado DataHub, de janeiro a setembro de 2021, mostra que a quantidade de MEIs de 18 a 24 anos cresceu 204% sobre 2019.
“Alguns abriram pequenos e-commerces ou começaram a atuar no ramo de preparação de alimentos. Outros passaram a trabalhar com entregas por aplicativos. São tantas pessoas abrindo MEI por necessidade que o fenômeno pejotização daqui a pouco vai se chamar meização”, diz André Leão, CEO do Datahub.
Ele não considera sustentável a migração de trabalhadores celetistas (regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho) para autônomos:
“O MEI reflete um encolhimento de renda, já que, ao sair do mercado formal, as pessoas não têm 13º salário, férias, plano de saúde, vale-alimentação nem rendimento mínimo.”
Empreender se torna a única alternativa
Cerca de 85% dos pequenos negócios abertos no ano passado no Estado do Rio correspondem a microempresas, segundo uma pesquisa do Sebrae-RJ. O resultado representa um aumento de 13% em relação a 2020 e de 8% em relação a 2019.
A formalização por meio da inscrição no MEI traz vantagens, segundo o analista do Sebrae Felipe Antunes, como a possibilidade de emitir notas fiscais ou fazer negócio com empresas maiores, o acesso a linhas de crédito que garantem capital de giro e direitos previdenciários assegurados.
“As atividades com o maior número de registros foram comércio varejista de artigos do vestuário e acessórios; cabeleireiro, manicure e pedicure; fornecimento de alimentos preparados para consumo domiciliar; e promoção de vendas”, conta.
Antunes ainda diz que pessoas que embarcam no chamado “empreendedorismo de necessidade”, em geral, anseiam por uma nova oportunidade de carteira assinada. Aqueles, no entanto, que têm como projeto de vida empreender devem, antes, investir em capacitação:
“Também é necessário procurar conhecer o mercado onde quer atuar, descobrir onde quer abrir o negócio, quem é o publico para o qual vai fornecer o serviço.”
Oportunidade on-line
“Eu trabalhava como personal, e a maioria dos meus alunos era composta por idosos e médicas. Com o lockdown em 2020, vi meu rendimento cair 80%. A saída foi empreender on-line. Resolvi abrir uma consultoria e chamei conhecidos para participarem de testes, treinando de graça. Mas, nesse modelo, eu só conseguia atender sete pessoas. Encontrei um sócio para cuidar do marketing, enquanto eu ficaria com a área técnica. Passamos a oferecer planilhas individualizadas, ajustadas ao objetivo de cada um, por meio de um aplicativo. Também mantemos contato com os alunos por WhatsApp para garantir que estejam engajados e não abandonem o exercício. Hoje, o nosso negócio, o Treino Hype, tem 73 clientes ativos. As redes sociais têm sido uma ferramenta muito importante para escalonar esse projeto. Com a retomada da economia, voltei a dar algumas aulas presenciais e, no total, a minha renda hoje equivale ao dobro de antes da pandemia. Pretendo impulsionar ainda mais o meu negócio on-line este ano”.
Para o negócio dar certo
Paulo Junior, CEO da PJI Consulting e criador da Clínica de Planejamento, diz que os trabalhadores que desejam empreender — como projeto de vida e não como uma solução temporária — devem, primeiramente, descobrir o propósito do serviço ou produto que desejam oferecer. Em seguida, devem se perguntar do que gostam: É de lidar com gente? Com números? Quais são suas habilidades? O objetivo é que o trabalho faça sentido para a vida de cada um.
A etapa seguinte é profissionalizar o negócio, oferecendo um atendimento de qualidade e aprimorando processos internos.
“O segredo é reservar tempo para pensar no futuro, pensar em gestão e para operar. Também é necessário ter conhecimento financeiro, já que as contas não param”, sugere Junior.
Ele ainda acrescenta que todo empreendedor deve buscar capacitação para ter sucesso:
“Tem muita oportunidade em função da pandemia, principalmente nas áreas de digital e de bem-estar. Tem gente vendendo pelas redes sociais. O Instagram, por exemplo, é uma vitrina global.”
Fonte: Agência O Globo