OIT: 60% dos países que decidiram por regime de capitalização se arrependeram
Estudo constatou que 18 dos 30 países que fizeram a transição para o regime de capitalização decidiram recuar e adotar medidas reversas
O princípio básico que viabiliza a criação da Previdência Social é a solidariedade, em que trabalhadores, ou seja, pessoas ativas no mercado formal, contribuem para um fundo que beneficia inativos, sejam idosos, aposentados ou qualquer cidadão que necessite de auxílio social previsto na Constituição Federal. Atualmente, a solução segue princípio de regime de repartição. Além do trabalhador, o empregador e o governo são responsáveis por abastecer o Tesouro Nacional com recursos destinados a benefícios previdenciários e aos projetos de assistência social do Estado.
Segundo Paulo Kliass, doutor em economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental, o regime de repartição é identificado pela Constituição de 1988 como um direito de cidadania. “É um direito assegurado pelo Estado, uma prioridade de desembolso orçamentário da União”, afirma.
A proposta de reforma defendida pelo governo previa, em seu texto original, transferir esta responsabilidade para o cidadão por meio do regime de capitalização. Assim, cada trabalhador contribuiria para abastecer o próprio fundo, de forma individual e não colaborativa. Assim como ocorre em serviços bancários comuns, cada indivíduo deveria reservar mensalmente parte da própria renda para, no futuro, conseguir resgatar a aposentadoria. No entanto, o relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), decidiu retirar do texto a sugestão de capitalização. O governo, no entanto, já avisou que cogita enviar uma nova proposta que trate da solução no futuro.
O formato de capitalização pode até parecer simples, porém os resultados quando comparado ao atual sistema são diferentes. No regime de repartição, três partes contribuem com a arrecadação – trabalhador, governo e empregador –, o que implica em mais recursos aplicados à reserva e maior valor de aposentadoria.
* O regime de capitalização rompe com a lógica constitucional, deixa de ser um direito de cidadania e coloca de lado o princípio da solidariedade. Torna-se uma mercadoria do sistema financeiro. Paulo Kliass Doutor em Economia
A diferença do recebimento no fim de todos os anos de contribuição individual no regime de capitalização traz consequências sociais, não apenas para o indivíduo, mas para todos aqueles que precisam de um fundo maior e colaborativo para atender necessidades mínimas. No entanto, o texto original da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 06/2019 não determinava de onde viriam os recursos necessários para pagar a assistência social à população que depende dela. Com um fundo cada vez mais esvaziado, mais pessoas deixariam de receber os benefícios assegurados por lei, o que poderia acarretar no desencadeamento de problemas e de desigualdades sociais.
Esse cenário já foi observado em alguns países que optaram pelo regime de capitalização. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) constatou que 60% dos 30 países que fizeram a transição de um modelo de repartição para o regime de capitalização se arrependeram e passaram a adotar medidas reversas. “A maioria são países da América Latina e do Leste Europeu, antigos países socialistas que fizeram essa transição. Dezoito já se arrependeram e outros ainda estão em transição. Perceberam que a opção por capitalização é o pior dos mundos por vários motivos. Principalmente, pelas perdas para o cidadão”, explica Kliass.
Os resultados demoram quase uma geração para serem percebidos. Até lá, quem sofre as consequências imediatas são os cidadãos mais carentes. No Chile, um dos países que adotaram a medida, o primeiro sinal de fracasso veio com altos índices de pobreza extrema e miséria em idosos. “Os aposentados estavam recebendo pensões mínimas dos bancos”, destaca.
As consequências do regime de capitalização
Segundo estudo da OIT, o modelo pode trazer uma série de impactos para o país:
– Deterioração das prestações previdenciárias;
– Aumento da desigualdade de renda e gênero;
– Aumento das pressões fiscais;
– Elevados custos administrativos;
– Crescimento do setor de seguros privados.
No Brasil, os riscos de resultados problemáticos são consideráveis. A maioria dos trabalhadores ativos não alcança 20 anos de contribuição para o INSS e acaba por aposentar pela idade mínima. Isso significa que, em um regime de capitalização, a maioria dos cidadãos não alcançará o mínimo necessário para um resgate de aposentadoria adequado e acabaria por recorrer à assistência social – que, pela proposta do governo, é fixada em R$ 400 mensais e apenas para aqueles que comprovarem renda familiar de um salário mínimo.
A movimentação financeira do Tesouro Nacional com a Previdência Social é de aproximadamente R$ 700 bilhões por ano, recurso que hoje é de responsabilidade do Estado gerir e distribuir. “O regime de capitalização sempre foi o grande sonho de consumo do sistema financeiro. Em todas as reformas previdenciárias, tentaram emplacar essa ideia”, diz Kliass.
* O regime de capitalização transfere essa responsabilidade a instituições financeiras e retira do cidadão o direito constitucional de receber uma Previdência Social justa e garantida constitucionalmente.
“O sistema financeiro não quer ser o gestor eficiente de um fundo público, mas transformar o fundo público em privado. Quando se inviabiliza e descredibiliza o Regime Geral de Previdência Social, não sobra para o cidadão outra alternativa, a não ser migrar para o sistema privado, assim como já ocorreu com diversos outros direitos básicos, como saúde e educação. Com o sucateamento, o que era um direito de cidadania se transforma em mercadoria”, lamenta.
Fonte: Jornal Metrópoles com Secom CSPB