Página infeliz da nossa história
Não há ponto de vista ou argumento que justifique um golpe de Estado, quando forças “especiais” investem contra um poder legalmente constituído e usurpam aquilo que foi decidido pela maioria. E não há nada, conceitos ou teses, que justifique um golpe militar, quando um grupo que detém armas e se julga o “dono da verdade” rouba o que há de mais sagrado em uma nação: a democracia. Invariavelmente tal correlação de fatos produz uma ditadura, militar na maioria esmagadora dos casos, que tortura, mata, persegue, impede o livre pensamento, o direito de ir e vir e a perspectiva de futuro. Tudo isso aconteceu no Brasil, há exatos 50 anos, quando um governante, democraticamente escolhido pelo povo, no caso João Goulart, foi deposto por um bando de militares que achavam que estavam, em sua sanha “civilizatória”, pedante e megalomaníaca livrando o país, a todos nós, de um esquerdismo governamental que levaria o Brasil rumo ao comunismo mais atroz. E, no caso brasileiro, não foram só os militares. Eles executaram, mas a ideia, a inspiração, e o “atendimento” era, segundo os usurpadores do poder, de um “clamor da sociedade”. Não era de todo inverdade tal percepção, e ainda precisaremos de algum tempo para que a nação coloque para fora, pratique uma espécie de exorcismo, também essa característica colaboracionista de um estado de exceção, depois de barbárie e por fim de cinismo, mas, o Golpe Militar de 31 de março de 1964, isso é inegável, jogou o país em trevas, de forma gradativa. Primeiro veio o tal cinismo, a tal ilusão de normalidade (como se fosse normal derrubar alguém escolhido pelo povo, perseguir aqueles que pensam diferente e pré-julgar homens, mulheres e instituições ao bel prazer de meia dúzia de mandantes e um sem número de bajuladores e aproveitadores). E como, a rigor (em situações como essas) “não se fez nada” partiu-se para o fim das liberdades individuais e, de forma bem clara, do enfraquecimento ou até extermínio das instituições, como o infame AI-5 (Ato Institucional número 5), em 1968, e então foi até relativamente fácil -, por mais cruel que seja essa constatação – partir para torturas e mortes. Todos os tipos de torturas e todos os tipos de mortes. A tortura de hoje se saber que tempo foi perdido, caminhos foram interrompidos, sonhos individuais e coletivos foram ceifados. E a morte da Educação, da Cultura, do Civismo, do patriotismo. O Golpe Militar completa 50 anos e jamais será perdoado, principalmente por aqueles que sofreram na pele as arbitrariedades e os que sabem que poderiam estar vivendo num país sem esse passado tão vergonhoso.
(Editorial do Jornal Diário Regional – Juiz de Fora/MG – 31 de março de 2014)